A Moda está Perdendo o seu Glamour?
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A Moda está Perdendo o seu Glamour?

Marcelo V. Prado

Marcelo V. Prado

Sócio-diretor do IEMI – Inteligência de Mercado, e membro do Comitê Têxtil da FIESP.

A moda tem perdido relevância no consumo dos brasileiros? Como a crise econômica e a perda de poder de compra aumentaram a avaliação rigorosa dos gastos com vestuário?

Essa é uma pergunta que tem inquietado empresários e gestores do setor há anos. Ao longo de mais de uma década, tenho ouvido de profissionais do segmento que a moda vem perdendo relevância no consumo dos brasileiros. Sempre há um “culpado” apontado para essa situação, embora ele varie com o tempo. Já foi o celular, em outra ocasião foram os cosméticos e produtos de higiene pessoal, e, mais recentemente, as apostas esportivas online (“bets”) têm sido vistas como concorrentes diretas das roupas pelo espaço no bolso do consumidor.

A pandemia de COVID-19 e os consequentes períodos de isolamento social, com o fechamento de lojas e shoppings considerados “não essenciais”, intensificaram essa percepção. Durante o lockdown, as roupas foram expostas a um novo julgamento dos consumidores, que passaram a questionar não apenas sua funcionalidade, mas também seu apelo enquanto objeto de desejo. Essa reflexão trouxe à tona a pergunta: o consumo frequente de moda, com lançamentos constantes e uma variedade interminável de modelos e cores, ainda faz sentido?

A disputa por um orçamento limitado

Não há dúvidas de que todos os produtos disputam entre si uma fatia de um mesmo orçamento, que no caso brasileiro é limitado pelo baixo poder aquisitivo médio da população. Além disso, as marcas de moda nacionais não figuraram entre as grandes vencedoras em termos de relevância nos últimos anos. Esse espaço foi ocupado pela chinesa SHEIN, que conquistou o mercado brasileiro com rapidez impressionante. Em 2023, a marca foi a mais adquirida pelos consumidores de vestuário no Brasil, segundo dados do IEMI.

Embora tenha se consolidado como um fenômeno, a SHEIN deve parte de seu sucesso à combinação de preços baixos e uma isenção fiscal decorrente de lacunas na legislação brasileira – uma brecha corrigida apenas parcialmente no último ano. Com produtos atrativos e acessíveis, a SHEIN soube capitalizar em um momento em que o custo de vida dos brasileiros aumentava devido à inflação e outros fatores, como crises climáticas, a alta do dólar, elevação dos juros e políticas econômicas insustentáveis no médio prazo.

Esse contexto pressionou ainda mais o bolso do consumidor, restringindo os gastos com bens de consumo e forçando escolhas difíceis sobre o que comprar. Assim, o vestuário – novamente – ficou sujeito a uma avaliação rigorosa por parte dos consumidores em relação à sua relevância.

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No ano de 2022, segundo estudo do IEMI sobre o mercado potencial de vestuário no Brasil, a demanda nacional de roupas no varejo local foi de 6,27 bilhões de peças, 2,7% acima da registrada no ano anterior, impulsionada, principalmente, pelo aumento das importações, uma vez que a produção local recuou 5,8% no mesmo período. Esse montante ainda é 2,8% menor do que o volume registrado em 2019, quando foram comercializados pelo varejo brasileiro, algo em torno de 6,31 bilhões de peças de roupas no ano.

Para 2023, ainda que o primeiro quadrimestre tenha sido bastante fraco para o segmento, frente ao ano passado (7% abaixo, segundo o OBGE), as últimas projeções do IEMI apontam para um crescimento nas vendas do varejo de moda, em volumes, a taxas que variam de 0,2% para o pior cenário e 5,1%, para o melhor cenário. Este último, se valendo muito da substituição de meses fracos no comércio de roupas, registrados no segundo semestre de 2022, por meses melhores, sem os efeitos das incertezas da eleição passada, ou mesmo, da copa do mundo no período da Blackfriday e próxima ao Natal. A média geral das projeções, encontra-se hoje em 3,5% de crescimento para o varejo em número de peças a serem comercializadas, acompanhadas de um aumento de 8,5% em receitas nominais, sem descontar a inflação do período.

Quanto menor for a inflação de preços para o varejo de moda em 2023, maiores as chances de as vendas do ano voltarem a superar o período pré-pandemia e retomar o processo de expansão do setor, até porque, o poder de compra dos consumidores e seu grau de endividamento tendem a melhorar levemente esse ano, mas não a ponto de absorver aumentos relevantes nos preços do varejo.

A indústria de vestuário, por sua vez, encontra-se um passo atrás e ainda dependerá muito do desempenho do varejo local e do seu grau de competitividade frente aos produtos importados, para recuperar uma parcela maior da produção local, perdida nos últimos anos, devido à pandemia; no entanto, esse é um assunto que merece ser abordado em mais detalhes numa próxima coluna.

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Uma crise que não é recente

Se ampliarmos a análise, veremos que a perda do poder de compra dos brasileiros não é um fenômeno recente. Nos últimos 15 anos, o percentual da renda destinado a despesas essenciais, como moradia, transporte público e contas de serviços básicos, aumentou de 48% para quase 54%. Isso significa que a fatia da renda disponível para bens de consumo, como alimentos, eletrônicos, roupas e calçados, caiu de 52% para 46%, representando uma perda média de 12% no poder de compra efetivo.

Nesse período, alguns produtos ganharam espaço nos gastos dos consumidores, enquanto outros perderam relevância. Entre os vencedores estão os celulares, automóveis e cosméticos. Já entre os perdedores destacam-se eletrônicos (excluindo celulares), utilidades domésticas e, infelizmente, o vestuário. De 2008 a 2023, a participação das roupas no orçamento dos consumidores brasileiros caiu de 6,8% para 4,4%.

A moda precisa se reinventar

Diante desse cenário, é evidente que as marcas que não se posicionarem estrategicamente e que não estejam criando valor para as suas marcas junto a seu público-alvo, correm sérios riscos de perder relevância. Contudo, o mercado ainda tem muito potencial: em 2025, os brasileiros deverão gastar cerca de R$ 6,7 trilhões, dos quais quase R$ 300 bilhões serão destinados ao consumo de roupas.

Portanto, o problema não é a falta de mercado, mas sim a capacidade de identificar e aproveitar as melhores oportunidades. Para os gestores do setor, o desafio está em entender os anseios dos seus consumidores, inovar, diferenciar-se e criar valor de forma consistente.

A moda pode estar em um momento de transição, mas ainda há espaço para quem souber se adaptar.

Sucesso a todos nessa jornada!

. Indicadores conjunturais

Os indicadores do mercado de vestuário apontam um desempenho misto para 2024. Em dezembro, as indústrias do setor registraram um recuo de 28,3% na produção em relação a novembro. Apesar disso, no acumulado do ano (janeiro a dezembro), houve um crescimento de 4,0% em comparação a 2023, indicando uma tendência positiva para a indústria de moda.

No varejo, os dados de novembro mostram alta de 17,9% no volume de peças vendidas e no faturamento nominal frente a outubro. Na comparação acumulada entre janeiro e novembro de 2024 e o mesmo período de 2023, o volume comercializado cresceu 2,7%, enquanto o faturamento nominal subiu 4,7%. Esses resultados refletem uma recuperação gradual do setor.

A inflação do vestuário acumulou 2,78% em 2024, abaixo do índice geral (+4,83%), o que, aliado à melhora no emprego e no aumento da massa salarial, pode favorecer o consumo.

No comércio exterior, as importações de vestuário cresceram 13,8% em 2024, totalizando US$ 154,6 milhões em dezembro (+13,0% frente ao mesmo mês de 2023). Já as exportações recuaram 1,2% no acumulado do ano, fechando dezembro com US$ 17,7 milhões (-0,4% em relação a dezembro de 2023). O déficit comercial do setor aumentou no ano, com a corrente comercial totalizando alta de 12,4%.

Em síntese, o setor de vestuário apresentou sinais de crescimento no mercado interno, mas enfrentou desafios no comércio externo, refletindo um cenário de recuperação e adaptação às condições econômicas.

Assinatura: Marcelo V. Prado é sócio-diretor do IEMI – Inteligência de Mercado ([email protected]), consultor de empresas, especialista em inteligência de mercado, diretor adjunto do Comitê Têxtil da FIESP e diretor de pesquisa da ABIESV.

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